I –
PRIMEIROS ANOS
Nos seus escritos, Francisco de
Holanda dá-nos a conhecer o local e a data aproximada do próprio nascimento. No
primeiro colóquio com Miguel Ângelo, Vittoria Colonna e Lattanzio Tolomei,
instado, por uma artificiosa intervenção da Marquesa de Pescara, a dizer como
vão as coisas da arte na sua terra, Francisco de Holanda assim inicia a
resposta:
– Temos, senhora, em Portugal
cidades boas e antigas, principalmente a minha pátria, Lisboa.
O seu pai chamava-se António de
Holanda. Pode este nome significar que nascesse nos Países Baixos ou que
alguns dos seus antepassados mais próximos daí procedessem.
Por meados da segunda década do séc.
XVI ou pouco depois, já António de Holanda estava ao serviço da coroa
portuguesa, tendo sucedido no cargo de passavante ao pintor Francisco
Henriques, falecido em 1519. Segundo refere o seu filho na carta a D. António,
Prior do Crato, António de Holanda era já rei d’armas e escrivão da nobreza do
reino, quando desenhou o brasão do infante D. Luís.
Em 1530 fazia os desenhos para as
iluminuras da Genealogia dos Reis de Portugal, coloridas por
Simão Bening e actualmente no British Museum, de Londres).
Desde 1533 até 1537, António de
Holanda viveu em Évora, residência privilegiada da Corte Portuguesa, onde fez
trabalhos para o Convento de Tomar e outras obras.
Em 1537, sucedendo a Pedro de Évora,
foi oficialmente investido no cargo de iluminador das cartas de brasão, que
desempenhou até 1542.
Segundo o testemunho do seu próprio
filho, sabe-se que António de Holanda executou os Livros de Horas (Breviários)
de D. Manuel, actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga, e de D. Leonor,
agora na Colecção Pierpont Morgan, de Nova Iorque. Terá colaborado também na
iluminura da Leitura Nova, devendo-se-lhe possivelmente o frontispício
n.º 18 (1511) do Livro II dos Místicos.
Nas listas dos artistas com que
termina o Da Pintura Antigua, Francisco de Holanda coloca o pai no
primeiro lugar entre os iluminadores do seu tempo:
«A António d'Ollanda, meu pai,
podemos dar a palma e juízo, por ser o primeiro que fez e achou em Portugal o
fazer suave de preto e branco muito melhor que em outra parte do mundo».
Seguem-se-lhe, pela respectiva ordem, Júlio da Macedónia (Júlio Clóvio), M.
Vicencio de Roma, Vante Attavanti e Simão Bening.
Em 1553 ainda Francisco de Holanda
na carta escrita a Miguel Ângelo saudava o grande artista em nome de seu pai:
«Mio patre António Dolanda si racomanda ala S. V. conesso me insieme». Em 1571,
no tratado Da Fábrica já dele se recorda com saudade: «meu pai António
d'Olanda também que Deos tem».
Outros irmãos teve Francisco de
Holanda: Miguel de Holanda era em 1542 Tesoureiro da Fazenda de El-Rei em Goa;
Miguel Homem é juiz de fora em Óbidos em 1551; Jerónimo de Holanda, moço de
Câmara do Infante D. Duarte (irmão de D. João III); D. Maria, casada com
Jerónimo de Azevedo, feitor e tesoureiro de Cochim em 1567.
O único dos irmãos a que Francisco
de Holanda se refere, no tratado Da Fábrica, é João Homem d'Olanda, que
na altura (1571) desempenhava as funções de provedor de Santarém.
De uma carta escrita por Francisco
de Holanda a Dom António, Prior do Crato, para integrar no processo de
legitimação deste Infante, em 6 de Maio de 1579, e actualmente no Arquivo da
Casa do Duque de Alba, em Madrid, podemos inferir que António de Holanda, após
a morte do Infante D. Luís (27 de Novembro de 1555), e antes da morte do rei D.
João III (11 de janeiro de 1557), já se encontrava com a doença que o levaria
deste mundo e que por essa mesma altura deve ter falecido, provavelmente em
1556.
Ainda hoje ignoramos a data exacta
do nascimento de Francisco de Holanda. No tratado De Quanto serve a Sciência do
Desenho, dirigindo-se a D. Sebastião, refere «sendo eu da idade de XX anos me
mandou El Rei vosso avô a ver Itália e a trazer-lhe muitos desegnos de cousas
notáveis della». Holanda situa os seus Diálogos no Outono de
1538, ou seja nos dois domingos anteriores no próprio dia e no que se seguiu ao
do casamento de Octávio Farnese com Margarida de Parma; no quarto desses
diálogos se declara como «sendo eu forasteiro, e havendo um afino só que stou
nesta terra». Feitas as contas, podemos concluir que Francisco de Holanda
nasceu, mais ou menos, pelo ano de 1517.
Dos anos da sua infância sabemos,
ainda por informação do próprio, que viveu em Lisboa em casa do Infante D.
Fernando, filho do Rei D. Manuel, quando se refere a Braz Pereira Brandão, do
Porto, filho de Fernando Brandão, a propósito da passagem em sua casa no
regresso de Compostela: «como quer nos ambos quasi criámos em casa d'aquelle
Senhor», isto é, do Infante D. Fernando, nascido a 5 de Junho de 1507, casado
em 1530 com D. Guiomar Coutinho, e falecido a 7 de Novembro de 1534, depois da
morte dos seus dois filhos e poucas semanas antes da mulher (9 de Dezembro).
Senhor de uma das mais importantes casas do país, que, no dizer de Barbosa
Machado (Bib. Lusit, Vol. II, pág. 11), podia competir com a real, foi
amigo das letras e especialmente dos estudos históricos e genealógicos, segundo
a informação do humanista Damião de Góis que, para ele, organizou na Flandres
uma grande livraria de obras escolhidas, impressas e manuscritas, entre as
quais, referidas pelo mesmo autor, se contam as iluminuras encomendadas a Simão
Bening (Benichius) .
Após o morte do Infante D. Fernando,
se não já antes, Francisco passou a frequentar a casa do infante D. Afonso, em
Évora, do qual foi moço de Câmara. O infante D. Afonso acumulou vários cargos
eclesiásticos: Administrador e Governador do Arcebispado de Lisboa (1517) e
das dioceses de Évora (1524) e Viseu (1529), Abade Comendatário dos Mosteiros
de Alcobaça e Prior do Convento de Santa Cruz de Coimbra, tendo sido elevado à
dignidade de Cardeal, do título de Santa Luzia, e posteriormente de S. Brás
(1524), e de S. João e S. Paulo (1536), antes de falecer em 1540, pouco antes
do regresso do Holanda.
Além de prelado exemplar, e
reformador, foi um fervoroso humanista, que não desdenhava de se sentar nos
bancos dos ouvintes, a escutar as lições do mestre André de Resende, dadas nas
aulas que abriu nos Paços de Évora, por volta de 1533. Nesta «Escola Pública de
Letras Humanas» ensinaram também os humanistas Aires Barbosa, Pedro Margalho e
D. Francisco de Melo, futuro Bispo de Goa, que com Clenardo, João Petit e
Vazeu, estrangeiros, Pedro Sanches, Jorge Coelho, António Pinheiro e Manuel da
Costa, foi membro da Academia Eborense, fundada por Pedro Sanches, contribuindo
para transformar Évora num grande centro cultural .
As relações com estes humanistas
estão documentadas nas poesias que ao Holanda dedicaram Pedro Sanches e António
Pinheiro, transcritas a seguir ao prefácio do tratado Da Pintura Antigua, e no
poema De Vita Vicentii de André de Resende, onde o Holanda é chamado «Juvenis,
admirabili ingenio, et Lusitanus Apelles».
O Cardeal Infante D. Afonso, levado
pelo amor das antiguidades, criou em Évora na sua Quinta de Valverde uma
colecção epigráfica. É neste ambiente que no espírito de Francisco se
desenvolve o amor das coisas antigas e desperta o desejo de conhecer a Itália.
Talvez com algum exagero, escreve no Da Pintura Antigua: «neste lugar seja-me a
mim lícito dizer como fui o primeiro que n'este Reino louvei e apregoei ser
perfeita a antiguidade, e não haver outro primor nas obras, e isto em tempo que
todos quasi querião zombar disso, sendo eu moço e servindo ao Infante Dom
Fernando e ao sereníssimo Cardeal Dom Afonso, meu Senhor. E o conhecer isto me
fez desejar de ir ver Roma».
Mas não era apenas a curiosidade
arqueológica que movia o seu coração. A esta sua formação, acresce a
influência exercida no seu espírito pela obra dos artistas atraídos à cidade de
Évora, onde floresceram importantes oficinas de pintura e trabalhou Nicolau de
Chanterene para estimular no ânimo de Francisco o gosto pela arte, sobretudo
nas formas italianas que de um modo titubeante se manifestavam já, de há
algumas décadas, em Portugal. Como filho e colaborador do principal iluminador
do reino, teve fácil acesso às iluminuras da Bíblia de Belém e do Livro
das Sentenças executadas na oficina dos Attavanti, em Florença.
Filho de um artista, Francisco desde
novo sentira amor pela arte. Olhando agora sob outro prisma os tempos da
infância, depois de ter lido Plínio, escreve: «a arte da plastiké é muito
antiga e por ella comecei eu, sendo moço, a aprender. Esta é sculpir em barro,
e Praxiteles lhe chamava mãe da scultura, mas eu lhe chamo madrasta, e à
pintura ou desenho legítima sua mãe». Superada a recordação da infância, o
valor atribuído à pintura ou desenho tem muito a ver com a teoria defendida
por Francisco de Holanda, e que em parte mais avançada deste trabalho será
analisada, mas está à partida em ligação com a sua formação artística. Nascido
de um iluminador, é natural que desde novo se familiarizasse com a mesma arte.
Evocando essa aprendizagem, escreve no prefácio do Da Pintura Antigua: «eu, que
som o menor dos grandes desenhadores, desejo de minha parte quanto posso não
esconder, nem deixar assi perder, quanto he maior do quê se sabe, esta
nobelissima arte que a mi por meu destino coube em sorte: durando-me fielmente
do começo de a mocidade até agora», e acrescenta: «E muito grandes e infinitas
graças dou eu primeiro ao Summo Mestre e Imortal, e depois as dou a meu pai, e
muito em mercê lhe tenho que approvando o bom costume dos Atheneenses teve
providência de me não desviar minha própria índole e natureza, e me deixou
seguir a arte da Sabedoria a mi mais segura e excelente de quantas há n'este
grão mundo». Esta «arte da Sabedoria» era a iluminura ou miniatura. No
penúltimo capítulo do tratado Da Pintura Antigua mostra o favor que tal arte
lhe merece: «aqui ponho eu a illuminaçam em que me eu criei, pela obra que com
pincel se faz mais delicadamente e mais suave e divina: e que é grande parte e
muito necessário o começar por ella, para a perfeição e paciência e para as
mizclas de todos as cores da pintura». Mas havia um determinado tipo de
iluminura que gozava da predilecção do Holanda, como se lê no parágrafo
seguinte: «A illuminaçam de branco e preto sobre pergaminho virgem e toques
d'ouro moído: esta é minha própria arte esta. é a própria celestial maneira de
pintura em este mundo». Algumas linhas mais à frente acrescenta que «pola
vertude do desenho e das mizclas da illuminaçam, minha arte» se lhe tornara
fácil pintar a óleo.
O Holanda participava já nos
trabalhos paternos, como testemunha no quarto Diálogo Romano, referindo uma das
suas invenções: «Sendo eu moço, antes de me El Rei nosso Senhor mandar para
Itália, estando eu em Évora, fazendo umas duas histórias, de preto e branco,
uma da Saudação de Nossa Senhora e a outra do Espírito Santo para um breviário
solene de sua Alteza, eu achei por mi mesmo aquela maneira de iluminar de
átomos e de névoa». A obra referida deve ser o Livro de Horas de D.
Manuel, que se conserva no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa.
A formação cultural em ambiente
humanista, a própria educação artística e os estímulos da novidade despertaram
no seu espírito o desejo de se deslocar a Roma.
II – NA ITÁLIA
O desejo de Francisco de Holanda de
ir a Itália encontrou eco favorável no ânimo dos seus protectores, a que
diversas vezes se mostrará reconhecido, nos seus escritos. No prefácio do Da
Pintura Antigua dirige-se agradecido, a D. João III: «a vós muito glorioso e
Augusto Rei e Senhor, dou eu outras tantas graças pela ajuda que até agora me
tem dado (mandando-me ir ver Itália) em bens que, ainda que se a nau alagasse,
e a cidade saqueada estivesse ardendo, eu posso sem impedimento de carga levemente
comigo trazer a nado». Aos infantes, irmãos do rei, designadamente D. Afonso e
D. Luís (D. Fernando era já falecido), alude, igualmente grato, no início do
primeiro Diálogo em Roma. Que idade teria nessa altura? A resposta dá-a no
tratado De Quanto Serve a Sciência do Desenho: «Sendo eu de idade XX anos me
mandou El Rei vosso avô a ver Itália e trazer-lhe muitos desenhos de cousas
notáveis della».
Já acima se indicou a data provável
da chegada do Holanda à Itália. O terceiro Diálogo, segundo refere logo no
início, realizou-se no dia do casamento de Octávio Farnese com Margarida de
Parma, isto é, em 4 de Novembro de 1538. O quarto Diálogo, logo no segundo
parágrafo, é colocado no dia imediato isto é, 5 de Novembro, e pouco mais à
frente o português apresenta-se como «Sendo eu forasteiro, e havendo um ano só
que estou nesta terra». Deduz-se naturalmente que a viagem se terá realizado,
em princípio, no decorrer de 1537.
Partido de Lisboa, teve ocasião de
visitar, em Valladolid, a imperatriz, infanta D. Isabel, irmã dos seus
protectores, que lhe pediria um retrato do imperador, por então em Barcelona,
onde o Holanda é surpreendido pela notícia da morte da Duquesa da Saboía, ou
seja, da Infanta D. Beatriz de Portugal, o que lhe fez atrasar a viagem, tanto
mais que a Barcelona chegara outro irmão do monarca português, o Infante D.
Luís. Falecida a Infanta D. Beatriz na primeira semana de janeiro de 1538,
poder-se-á inferir que só lá para fins do mês, quando muito, o Holanda seguia
de novo a caminho de Itália.
Em 18 de junho está em Nice a assistir
ao tratado de paz «quando El Rei de França Francisco de Velois (Grande rei
nestas obras) veio com trinta mil homens fazer a paz com o Papa Paulo 111 sobre
o Imperador que ali nas galés de André Dória veio a Villa Franca que está na
enseada, E ali vi aquelas três cortes juntas». Como não parece que o Holanda
gastasse todo o tempo decorrido entre Janeiro e Junho para chegar de Barcelona
a Nice, é de admitir que já antes da última data se encontrava em Roma,
tendo-se deslocado a Nice na peugada do séquito que rodeava o Papa. Aliás no
4.º Diálogo, ocorrido em 5 de Novembro como foi já referido, o Holanda diz
«havendo um ano só que estou nesta terra», o que é exagerado em relação a quem
lá tenha chegado apenas no mês de Fevereiro, mas seria inteiramente inaceitável
em relação a quem só lá tivesse entrado em fins de Junho. Do infante D.
Luís foi portador de mensagens para o Papa, o Rei de França e o marquês de
Gasto.
No estado actual dos nossos
conhecimentos não é possível estabelecer as relações da viagem de Francisco de
Holanda com a embaixada de D. Pedro de Mascarenhas, o homem da plena confiança
do Rei de Portugal, que representou em diversas cortes europeias, sempre
encarregado de missões importantes. D. Pedro de Mascarenhas representou Portugal
junto da Santa Sé de 1537 a 1540 e estas datas, como já vimos em relação à
primeira e veremos em relação à segunda, coincidem com as da viagem de
Francisco de Holanda. Se por um lado a viagem deste aparece rodeada de um cariz
cultural e apoiada não só pelo rei, mas também por outras personagens animadas
por interesses culturais, como o Cardeal Infante D. Afonso, que em 28 de
Setembro de 1539 lhe assinava uma mercê de 20 cruzados, por outro lado
apresenta-se-nos investido e sobretudo preocupado com as funções de informar o
Rei de Portugal das novidades artísticas de Itália, mas também de um aspecto
particular, qual era o da arquitectura militar. Com esse fim visita e desenha
as mais modernas fortalezas da Itália, acontecendo-lhe mesmo de ser preso, como
suspeito, quando desenhava a fortaleza de Pesaro. Das relações com o
Mascarenhas, pela boca do Holanda apenas sabemos que executou a cópia da imagem
do Salvador existente em S. João de Latrão, a qual a rainha de Portugal pedira
ao embaixador, e em 5 de Novembro de 1538, data do quarto Diálogo, foi intimado
«para ir a casa do Papa», mas não se preocupou com essa ordem, talvez porque de
facto se não sentisse vinculado ao embaixador.
Em Roma valer-lhe-iam os
conhecimentos de outro português, que não refere na sua obra, o Bispo de Viseu
D. Miguel da Silva, a quem Castiglione tinha dedicado o Cortegiano, e íntimo
amigo de Paulo III, que em 1541 ou 1546 o elevaria à púrpura cardinalícia. A D.
Miguel da Silva deverá talvez Francisco de Holanda as facilidades que encontrou
em Roma, pois o terá recomendado ao Cardeal Alexandro Farnese, mecenas das
artes e das letras, ao secretário pontifício Blosio Palladio e a Lattanzio
Tolomei, humanista e arqueólogo, que exercia na altura as funções de embaixador
em Roma da República de Siena, o qual introduziu o português na amizade de
Miguel Ângelo e de Vittoria Colonna. Estes conhecimentos e o prestígio de que
o Holanda gozava como protegido do rei de Portugal deram-lhe rápido acesso ao
meio artístico romano.
Francisco de Holanda, ao contrário
do que escreveram os primeiros autores que trataram da sua vida, não permaneceu
na Itália mais de três anos. A maior parte desse tempo despendeu-o em Roma,
distribuído pelo estudo e desenho das obras de arte antigas (estátuas, ruínas
arqueológicas), pela visita aos estaleiros de construção de S. Pedro e a outras
obras em curso ou recentes e no contacto com os artistas e literatos que lhe
fornecerão a bagagem teórica para os seus escritos. O à-vontade com que se movia
em Roma é testemunhado, entre outras passagens, por aquela onde nos fala de um
dos seus primeiros trabalhos aí executados (entre a chegada à cidade pontifícia
e a data dos diálogos, Outubro de 1538), a cópia da imagem do Salvador que a
tradição atribui a S. Lucas e existente na igreja de São João de Latrão. Devido
à aura mítica que a rodeava – pois se tratava de uma imagem de Cristo, que nem
ao próprio evangelista fora dado pintar, uma vez que, quando se dispunha a
fazê-lo, ela teria aparecido milagrosamente no quadro adrede preparado – e às
dificuldades postas pelos religiosos que a guardavam, ninguém tivera até então
a oportunidade de a reproduzir. Como porém se tratava de um pedido da Rainha de
Portugal, Francisco de Holanda obteve autorização de a copiar, o que fez «com
grandes trabalhos dos confrades e do bispo de São João». O acontecimento
encheu-o de orgulho e autoconfiança, tanto mais que era a primeira vez que
pintava a óleo, saindo-se com êxito, e os encontros que pelo caminho teve nessa
ocasião com Miguel Ângelo abriram as portas à sua familiaridade com o grande
artista.
O primeiro ano da estadia na Itália
foi interrompido pela viagem, talvez na companhia do embaixador de Portugal,
para assistir à celebração da trégua de Nice, em 18 de junho de 1538. É natural
que seguisse o mesmo trajecto do papa, que atravessou a Toscana, com paragem em
Luca e visita a Parma e a Piacenza. Daqui o Holanda mandou ao infante D. Luís
um desenho com a formação do exército francês.
Em três domingos sucessivos, de que
o último coincide com o celebração das núpcias de Octávio Farnese com
Margarida de Parma, em 4 de Novembro de 1538, têm lugar os célebres diálogos em
que intervém Miguel Ângelo. Os dois primeiros, em que está presente Vittória
Colonna, ausente no terceiro por causa do casamento, realizaram-se em 14 e 21
de Outubro. O quarto diálogo, com protagonistas, argumento e local diversos, é
colocado no dia imediato ao do terceiro, por conseguinte, em 5 de Novembro de
1538, no «scriptorium» do iluminador D. Júlio de Macedónia (Júlio Clóvio), em
casa do Cardeal Grimani.
Em 6 de Abril de 1539, dia de
Páscoa, estava em Roma, pois anotou, como privilégio que mais o honrara, ter
recebido nesse dia a comunhão das mãos do Papa Paulo III «com os embaixadores
dos reis cristãos e alguns senhores romanos somente».
Em Agosto de 1539, António da
Sangallo e Jacopo Meleghino deslocam-se a Tivoli para um estudo das obras do
rio para a Fábrica de São Pedro, sendo provável que Francisco de Holanda
seguisse na sua companhia, aproveitando a viagem para fazer o desenho do
templo romano e da cascata de Tivoli, que inseriu no livro das Antigualhas.
Francisco de Holanda viajou pela
Itália. Para além das já referidas deslocações a Nice e a Tivoli, certamente
isoladas, não é possível dizer-se se as restantes viagens se inseriram numa
sequência contínua ou se, pelo contrário, se distribuem por vários momentos.
Uma referência a Benvenuto Cellini
faz supor que terá saldo de Roma antes de Novembro de 1539, data em que o
famoso ourives se viu livre do cárcere. Incluindo-o no segundo lugar da tábua
«dos famosos entalhadores de corniolas», assim o refere: «Benvenutto florentim
que o papa Paulo tinha preso no Castelo de Sant'Angello».
Se o Holanda tivesse conhecimento da
sua libertação deveria dizer «que o papa Paulo teve preso». Este argumento não
é, porém, suficiente para tirar uma conclusão definitiva.
Pelo contrário, uma referência ao
modelo em madeira para a Igreja de S. Pedro, feito por António da Sangallo il
Giovane, leva-nos a atrasar a data da última passagem do Holanda em Roma. Com
efeito, assim escreve «(...) mestre António de Sangallo (...) acaba agora a Igreja de São Pedro com grande cuidado. E eu vi o modelo de sua
mão, feito de madeira mui perfeito na mesma igreja». Correspondendo este modelo
«feito» por António da Sangallo ao executado sob a sua direcção por António
Labacco, entre Julho de 1539 e os primeiros meses de 1541, o Holanda não o
podia ver «perfeito» antes do fim e de qualquer modo pelo menos após os meados
de 1540.
Francisco de Holanda ter-se-á, por
conseguinte, deslocado a Nápoles em finais de 1539, ano de que data um dos seus
desenhos: «Situs ubi conflagratio puteolana. Ann. MDXXXIX». Em Fevereiro de
1540 ainda lá se encontrava, datando assim o desenho do Averno:
«Horrendas fauces Averni ann. MDXXX. mens. Februa. sic. vidi et posui». A
partir de Nápoles, onde fez vários desenhos, visitou Barletta, para desenhar o
castelo, assim como, no caminho entre Roma e Nápoles, desenhou as fortificações
de Terracina e Gaeta e a ponte de Garigliano.
Se admitirmos que Francisco de
Holanda na viagem de chegada ou por ocasião da deslocação a Nisa, teve
oportunidade de ver e desenhar a Ribeira de Génova, a fortaleza de Sarzana, os
monumentos da Praça dos Milagres de Pisa, as vilas renascimentais de Toscana
(de que apenas resta no seu álbum o intróito) e possivelmente a Fortessa da
Basso de Florença, assim como de ver pelo menos a Catedral e o Palácio Público
de Siena, e ainda de desenhar o Poço de S. Patrício, feito por António da
Sangallo il Giovane, em Orvieto, é de admitir que «La Rocha» de Civitá
Castellana, assim como a Ponte de Augusto, em Narni, pudessem ser desenhados em
qualquer viagem a partir de Roma, se não já naquela que talvez fosse do
regresso e lhe permitiu desenhar o aqueduto e o castelo de Spoleto, em Loreto a
capela e uma vista da povoação, em Ancona o Arco de Trajano, a Villa do Monte
Imperiale, as fortificações de Pesaro e as de Ferrara; em Pádua, além das
fortificações desenhou a igreja de Santo António e a estátua do Gattamelata.
Em que data passaria o Holanda em
Veneza? Podemos conjecturá-la apenas a partir das suas referências a Sebastiano
Sérlio e do seu desenho da Loggetta da Praça de S. Marcos. A Sérlio refere-se
no capítulo sobre a arquitectura, em que aliás transcreve frases completas do
Livro IV da obra do bolonhês, como adiante veremos. Este Livro IV, Regole
Generali di Architettura, foi o primeiro a ser publicado em Veneza,
em 1537, reeditado depois em Fevereiro de 1540, antes que saísse o Livro
III dedicado a Le Antiquità di Roma e le altre che sono in Italia e
fuori d'Italia. Referindo-se aos grandes arquitectos dos últimos tempos na
Itália, depois de citar Miguel Ângelo, Bramante, Baldassare Peruzzi, António da
Sangallo e Jacopo Meleghino, acrescenta: «O último destes é Bastião Sérlio,
bolonhês, que escreveu da arquitectura, o qual me deu na cidade de
Veneza o seu livro da sua própria mão». Esta referência leva portanto a supor
que não tinha saído o outro livro de Sérlio, e que, por conseguinte, estamos em
data anterior a Março de 1540. Pode ser que a informação sobre os trabalhos
preliminares para a publicação do Livro III obtida logo na altura esteja na
base da outra referência a Sérlio na lista de «os famosos architectores, dos
modernosas acrescentada ao Da Pintura Antigua: «Bastião Sérlio,
bolognês, que compôs uns livros d'arquitectura, que agora andam em Veneza». De
qualquer modo o contacto com Sérlio efectuar-se-ia antes da partida deste para
França em Agosto ou Setembro de 1541.
Em Veneza o Holanda desenhou a Praça
de S. Marcos, a porta da Catedral e os cavalos de bronze, o Arsenal, a estátua
do Colleone e o retrato do Doge. Mas o único elemento que permite referências
cronológicas é a Loggeta, de Jacopo Sansovino, iniciada em fins de 1537 e
concluída na parte arquitectónica em 1539. O nosso português desenhou-a nesta
fase, antes de receber a decoração final, de que seria ornada apenas em 1545.
De Veneza, Francisco de Holanda
passou ainda por Milão, onde desenhou a fortaleza de La Rochetta, por Pavia e
Moncalieri, saindo da Itália pelo norte, atravessando Monte Cénis, numa altura
em que ainda não havia terminado o Inverno. Com efeito os Alpes estão cobertos
de neve e, no desenho do Holanda, alguns dos seus companheiros de viagem descem
os declives sentados em feixes de ramaria. Estamos possivelmente em fins do
inverno de 1540-1541. O caminho do regresso prosseguiu por Fontaine de
Vaucluse, Avignon, Pont du Gard, chegando, depois de atravessar o sudoeste de
França, a Bayonne, prosseguindo por Fuenterrabia, San Sebastian e Tolosa, em
Espanha, retomando a estrada inicial em Valladolid.
Antes de Dezembro de 1541 Francisco
de Holanda chegou a Portugal, infere-se de uma passarem do tratado Da
Sciência do Desenbo em que escreve: «se serviu de mi El Rei e o Infante na
fortaleza de Mazagão que há feito por meu desegno e modello, sendo a primeira
força bem fortalecida que se fez em Africa, a qual desegnei vindo de Itália e
de França, de desegnar por minhas mãos e midir as principais fortalezas do
mundo». Esta fortaleza começou a construir-se em 15 de Dezembro de 1541, sem
que no entanto fosse seguido à risca, pelo menos em relação aos materiais, o
projecto do Holanda, talvez com modificações introduzidos, após a visita in
loco, pelo engenheiro Benedetto da Ravenna.
Ao contrário do que se escreveu
depois de Joaquim José Ferreira Gordo, e incluindo o próprio Joaquim de
Vasconcelos, foi curta a estadia de Francisco de Holanda na Itália. Durou
apenas três anos, passados na maior parte em Roma, mas sem excluir visitas a
outras regiões da Itália, onde na altura se trabalhava em obras de arte e
fortificações militares, com demoras mais acentuadas na Toscana, em Nápoles e
em Veneza.
Foi esta permanência de três anos
bem aproveitados que possibilitou a formação teórica de Francisco de Holanda,
tal como aparece nos seus escritos, e orientou em nova direcção a sua actividade
artística.
III – OBRAS
Regressado da Itália, Francisco de
Holanda resolveu divulgar as ideias que trouxe, escrevendo o tratado Da
Pintura Antigua, cuja segunda parte são os célebres Diálogos, a que
seguiram outras obras menores: o Da Fábrica que falece ha cidade de
Lisboa e o De quanto serve a Sciência do Desenho e Entendimento
da Pintura. Reuniu os desenhos que trouxe da Itália num volume, o Das
Antigualhas, do mesmo modo que num outro volume, o De Aetatibus
Mundi Imagines, reuniria desenhos posteriores.
A execução das obras teóricas,
sobretudo da primeira, assim a justifica: «Asi que pola nobreza da pintura e
polo que eu em Roma aprendi, com o que mais vou descobrindo e conhecendo da sua
excelência por não o deixar perder, e enterrar de todo a cousa tão dina de ser
conhecida de todos os ilustres engenhos de minha pátria determinei de escrever
este livro Da Pintura Antigua».
O Da Fábrica tem a pretensão de vencer a apatia
de um jovem rei, D. Sebastião, em relação aos problemas urbanísticos e
militares da capital do reino, Lisboa: «determinei (...) de deixar
antes da minha morte a V. A. muito serenissimo Rei e Senhor esta breve
lembrança e repairo de Lisboa, que tão pouco conta com isso tem e que tanto lhe
releva». A idêntico sentimento, acrescentado ao desgosto de ser esquecido pelo
monarca, se deve o Da Sciência do Desenho: «hé para que V. A. conheça
não quão pouco se perde em perder o meu serviço, senão para que saiba quando
alguma hora tiver algum outro entendimento melhor que o meu o como se há delle
de aproveitaras. No último período da vida, em que se sente assim amargamente
esquecido, terá executado a maior parte dos desenhos do De Aetatibus Mundi
Imagines.
1. Da Pintura Antigua
O Da Pintura Antigua divide-se
em dois livros, sendo o primeiro um tratado com quarenta e dois capítulos, em
que trata da essência e da origem da pintura, da preparação do pintor, do valor
da antiguidade, das «partes» fundamentais da pintura: invenção ou ideia,
proporção ou simetria, e decoro ou decência. A seguir ao capítulo sobre a
proporção inclui um sobre a «physiognomonica» e vários aspectos concretos
(posições da figura humana, pintura de animais, de histórias, de imagens sacras
e alegóricas), sobre a luz, o claro-escuro e as cores. A seguir ao decoro
insere dois capítulos sobre a perspectiva, um sobre o desenho de escorço, e
termina com três capítulos, dedicado o primeiro à escultura, o segundo à
arquitectura e o último a «todos os géneros e modos de pintar».
O segundo livro é constituído por
quatro diálogos, intervindo, Miguel Ângelo nos três primeiros, do mesmo modo
que, em lugar secundário, Lattanzio Tolomei, enquanto Vittoria Colonna sua
patrocinadora, está apenas presente no primeiro e no segundo, e o quarto tem
por interlocutores, além do Holanda, como os precedentes, o iluminador Júlio
Clóvio, o incisor Valério Belli e um tal Camillo que se deve identificar com
Giulio Camillo Delminio, depois membro da Academia della Virtú.
O primeiro livro encerra com a data
correspondente a 18 de Fevereiro de 1548: «Fazia, em Lisboa, a primeira Dominga
da Coresma de 1548».
O segundo livro encerra no mesmo
ano, mas com data diferente: «Acabeio descrever hoje, dia de S. Lucas
Evangelista. Em Lisboa, era MDXXXXVIII», ou seja, 18 de Outubro de 1548.
No fim da obra Francisco de Holanda
acrescentou uma «Távoa dos artistas famosos a que elles chamam águias», em seis
partes, sendo a primeira dedicada aos pintores, a segunda aos «famosos
iluminadores da Europa», a terceira aos «famosos scultores de mármor», a quarta
aos «famosos architectores, dos modernos», em que se inclui, a quinta aos
«famosos entalhadores de lâmina de cobre» e a última aos «famosos entalhadores
de corniolas».
Em 1563, sendo ainda vivo o autor,
um outro português, Manuel Denis, residente em Espanha, traduziu para a língua
castelhana o «Da Pintura Antigua», tradução que se conserva na Academia de
Belas Artes de Madrid.
Nos fins do séc. XVIII, José Joaquim
Ferreira Gordo encontrou na biblioteca particular de um amador de arte, de que
não nos deixou o nome, o manuscrito em língua portuguesa da obra Da Pintura
Antigua e fez, em 1790, uma cópia que entregou à Academia de Ciências de
Lisboa, sendo esta portanto a mais próxima do original.
EDIÇÕES DO DA PINTURA ANTIGUA
1. Da Pintura Antigua, folhetim
publicado por Joaquim de Vasconcelos in «A Vida Moderna», Porto, 1890 a
1892.
2. Da Pintura Antigua. Primeira
edição completa desta célebre obra comentada por Joaquim de Vasconcelos. Porto,
Renascença Portuguesa, 1918.
3. De la Pintura Antigua. Version
castellana de Manuel Denis (com prefácio de Elias Tormo). Academia de S.
Fernando, Madrid, 1921. Nova edição da tradução espanhola de 1563.
4. Tractado de pintura antigua. English
translation by A. F. G. Bell, London, 1928.
5. Da Pintura Antigua. 2.ª
edição, Porto, Renascença Portuguesa, 1930.
6. Opere di Francisco de Holanda.
Napoli, Pertella, 1915. Apenas consegui encontrar dois exemplares desta
publicação, citada pelo próprio organizador, Achile Pellizzari, um na
Biblioteca Hertziana de Roma, e outro na Biblioteca do Kunsthistorisches Institut
in Florenz. Segundo referia Elias Tormo, em 1940, existe pelo menos outro, na
Biblioteca Vaticana.
7. Da Pintura Antiga. Introdução
e notas de Angel González Garcia. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
1984.
8. Da Pintura Antiga. Introdução, notas e comentários de
José da Felicidade Alves, Lisboa, Livros Horizonte, 1984.
EDIÇÕES
SÓ DOS DIÁLOGOS
1. Raczinsky, Conde A. – Les Arts en
Portugal, lettres adressées a la Societé Artistique e Scientifique de Berlin, accompagnées
de documents. Paris,
Renouard, 1846. Tradução feita pelo pintor M. Roquemont com lacunas e com
frequência infiel. Foi porém a primeira a chamar a atenção internacional para a
obra do Holanda.
2.
Clement, Charles – Michel Ange d'aprés des nouveaux documents, in «Revue
des Deux Mondes», XXIX année, 1 juillet 1850, pp. 60-108.
3. Siemiénski, Lucjan – Kartka z
dziejow i poezji oraz Franciszka d'Ollanda rzecz o malarstwie z roku, Zytomiers,
Spólka Wydanica Ksiegarska, 1860.
4. Fournier, Th. – Die Manuscript
des F. D'Holanda in «Jahrbuch für Kunstwisenschaft», Zahn, I, 1868, pp.
335-358.
5. Grimm, H. – Leben Michelangelo's,
Hannover, 1873, pp. 227-293 (trad. parcial).
6. Gotti, Aurelio – Vita di
Micbelangelo Buonarrotti, narrata con l'aiuto di nuovi documenti, vol. 1,
Firenze, 1875, pp. 244 e ss.
7. Manuscrit de François de
Hollande. De la Peinture Ancienne. 1549 – Livre Second in Thomaz Mendes
Norton, Ouvres d'Art de Raphael au Monastère de Refojos do Lima en Portugal.
Lisboa, 1888. Trad. de
Louis Carlomain Capdeville.
8. Quatro diálogos da pintura
antigua. Francisco de Holanda, Miguel Ângelo, Vittoria Colona, Lattanzio
Tolomei interlocutores em Roma. Edição cuidada por Joaquim de Vasconcelos.
Porto, Renascença Portuguesa, 1896. Tiragem reduzida (100 exemplares).
9. Vier Gesprücbe Uber die
Malerei Gefübrt Zu Rom 1538. Original text mit Cbersetzung, Einleitung,
Beilagen und Erlaüterungen von Joaquim de Vasconcelos. Wien, Verlag
von Carl Graeses, 1899.
10. Charles Holroyd – Michelangelo
Buonarroli by Charles Holroyd. With translations of tbe life of the
master by his scolar Ascanio Condivi and three dialogues from portuquese by
Francisco D'Holanda. London, Duckwort, 1903.
11. Quatre dialogues sur la
peinture. Trad. Leo Rouanet. Paris, Champion, 1911.
12. F. J. Sánchez Cantón, Fuentes
literárias para la Historia del Arte Español. Tomo I. Madrid, Junta para ]a
Ampliación de Estudios e Investigaciones Cientificas – Centro de Estudios
Historicos, 1923. Pp. 35-115: Dialogos de la Pintura.
13. I Dialogbi michelangioleschi di Francisco de Holanda. Trad.
di Maria Antonietta Bessone Aurelij. Roma, Maglione e Strini, 1924.
14. Idem, idem, 2.ª ed.,
1925.
15. Lettere e rime precedute
della vita di Ascanio Condivi aggiuntovi al «Dialogo della Pittura» di
Francisco de Holanda. A cura di Guido Vitaletti. Torino, Società Edittice
Editoriale. Apenas a tradução do Primeiro Diálogo.
16.
Four dialogues on painting, redered into English by Aubrey F. G. Bell, Oxford,
1928.
17. Lettere e rime. A cura di Guido Vitaletti, 2.ª
ed., ibidem (1930).
18. I Dialogbi michelangioleschi
di Francisco de Holanda. Trad. di Antonietta Maria Bessone Aurelii. 3.ª
ed., 1939.
19. Los «Dialogos de la Pintura»
de Franscisco de Holanda, apêndice ao capítulo I de «Historia de las Ideas
Esteticas en España», de Marcelino Menendez Pelayo, vol. II, Madrid,
1940.
20. Parla Michelangelo. A
cura di Aldo L. Cerchiari. Milano, Torinelli, 1946. Edição artística ilustrada,
apenas das passagens correspondentes às palavras de Miguel Ângelo.
21. Colloqui con Michelangelo. A
cura di Emilio Radius. Milano, Editrice Antonioli, (1945).
22. I Dialoghi michelangioleschi
di Francisco d'Ollanda. A cura di Antonietta Maria Bessone Aurelii, 4.ª
ed., Roma, F.Ili Palombi, 1953.
23. Diálogos de Roma. Prefácio
e notas de Manuel Mendes. Lisboa, Sá da Costa, 1955.
24. Dialoghi romani con
Michelangelo. Trad. di L. Marchiori. Introd. e note a cura di E. Spina
Barelli. Milano, Rizzoli, 1964.
25. Les Dialogues de Roma de
FranFois de Hollande, trad. José Frèches, Paris, Centro Cultural Português
– Fundacão Calouste Gulbenkian, 1973.
26. Dialoguri romane cu
Michelangaelo. Traducera Siprefatã deVictor Ieronim Stoichitã. Bucuresti,
Ed. Meridiane, 1974.
27. Diálogos em Roma. Introdução,
notas e comentários de José da Felicidade Alves, Lisboa, Livros Horizonte,
l984.
2. Do tirar polo natural
Pequeno tratado em forma de diálogo,
foi concluído em Santarém em 1549. Não se conhece o original. A cópia mais
antiga está na Academia de Belas Artes de S. Fernando de Madrid. Uma cópia
feita em 1790 por M. Joaquim Ferreira Gordo existe na Academia das Ciências de
Lisboa.
EDIÇÕES:
1. Do tirar polo natural, em
folhetim, in «A Vida Moderna» (Semanário), Porto, 1892, n.ºs 10 a 19
(20/10-22/12/1892).
2. Del Sacar Por El
Natural, incluído na edição do «De La Pintura Antigua», Madrid, 1921.
3. Die Manuscriple des Francesco
d'Ollanda (von der Portraitmalerei). Introd. e
trad. Th. Fournier, in «Jahrbücher für Kunstwisenschaft» I, Leipzig,
(1868).
4. Do Tirar Polo Natural. Introdução, notas e comentários de José
da Felicidade Alves. Lisboa, Livros Horizonte, 1984.
Que saibamos, não apareceu ainda a
edição comentada do Do Tirar polo Natural anunciada há alguns anos por
John Bury.
3. Da Fábrica que falece
ha Cidade de Lisboa
Ao contrário de outros tratados de
urbanística do séc. XV e XVI, este caracteriza-se por não visar um modelo
utópico de cidade, mas uma povoação efectivamente existente, no intuito de
resolver os seus mais agudos problemas. Sem esquecer, no primeiro capítulo, uma
breve referência à origem histórica da cidade, e, no segundo, uma digressão
alegórica sobre a cidade interior, a alma, descreve e desenha as principais
obras de que carecia a Lisboa da segunda metade de quinhentos: a «roca» ou
castelo no centro, e, à volta, as novas muralhas com os seus bastiões e
baluartes; a defesa da embocadura do rio Tejo e do porto de mar, a construção
dos paços reais de Enxobregas e respectivo parque, a reconstrução das pontes e
calçadas de acesso a Lisboa, com as respectivas cruzes-miliários, como lugar
mais sublime o templo, dedicado a S. Sebastião, onomástico do rei, e, a servir
de coroa a toda a obra, como local mais precioso, a capela do Santíssimo
Sacramento.
Este tratado é datado de 1571 e o
manuscrito original, que se conserva na Biblioteca Nacional da Ajuda, é
acompanhado do parecer do inquisidor Frei Bartolomeu Ferreira, de 13 de Abril
de 1576, com vista à publicação da obra, que não chegou então a concretizar-se.
EDIÇÕES DO DA FÁBRICA
1. Da Fábrica que fallece à
cidade de Lisboa. Da Sciência do Desenho. Edição crítica (segundo o
autógrafo de 1571), por Joaquim de Vasconcelos, in «Archeología Artistica»,
tomo VI; e separata (100 exemplares), Porto, Imprensa Portuguesa, 1879.
2. Da Fábrica que Falece à cidade
de Lisboa, edição preparada por Alberto Cortês (1918), que agora publica
Vergílio Correia, in «Archivo Español de Arte e Archeologia», n.º 15, pp.
209-225, Madrid, 1929; e separata (100 exemplares).
3. Fac-simile in Jorge Segurado, Francisco
d'Olanda, Lisboa, Ed. Excelsior, 1961, pp. 67-130.
4. Da Fábrica que falece à
cidade de Lisboa. Introdução, notas e comentários de José da Felicidade
Alves. Lisboa, Livros Horizonte, 1984.
4. De quanto serve a Sciência do
Desenho e Entendimento da Arte da Pintura, na Republica Christam asi na Paz
como na Guerra
É um tratado com data de julho de
1571, anexo ao anterior e certamente destinado a publicação simultânea. Sem
interesse de maior, uma vez que repete conceitos já presentes sobretudo no «Da
Pintura Antigua», o capítulo mais interessante, do ponto de vista teórico,
talvez seja o segundo, em que o Holanda tenta aprofundar a noção filosófica de
pintura ou desenho – vocábulos frequentemente equívocos na sua obra. Nos
restantes capítulos procura mostrar o apreço em que o desenho ou a pintura
foram tidos na antiguidade e a sua utilidade ao serviço de Deus e do Rei tanto
na guerra como nas actividades ordinárias, pelo que defende no penúltimo
capítulo a necessidade de o monarca adquirir neste domínio um mínimo de
conhecimentos, acabando por apresentar como exemplo a seguir o de Carlos V, no
modo como um dia o recebeu na sua corte – referência em que visivelmente se
dirige a D. Sebastião, a quem o tratado é dedicado.
EDIÇÕES:
1. Da Fábrica que fallece à
cidade de Lisboa. Da Sciência do Desenho. Edição crítica (segundo o
autógrafo de 1571), por Joaquim de Vasconcelos, in «Archeologia Artistica»,
tomo VI, 1873-1878, e em separata, de 100 exemplares, Porto, Imprensa Portuguesa,
1879.
2. Da Fábrica que falece à
idade de Lisboa, edição preparada por Alberto Cortês (1918), que agora
publica Vergílio Correia, in Archivo Español de Arte y Archeologia», n.º 15,
pág. 209-225, Madrid, 1929 e em separata de 100 exemplares.
3. Fac-simile in Jorge Segurado, Francisco
de d'Ollanda, Lisboa, Ed. Excelsior, 1961.
4. Copie d'une partie du manuscrit
intitulé «Des monuwents qui manquent à lla ville de Lisbonne» par
Francois de Holland année 1571, in Thomaz Mendes Norton, Ouvres d'Art de
Rapbael au Monastère de Refojos do Lima en Portugal, Lisboa, 1888, pp.
148-156. É a tradução
do «.De quanto serve a Sciência do Desenho», por Louis Carlomain
Capdeville.
5. De quanto serve a Sciência do
Desenbo e Entendimento da Arte da Pintura na Republica Cristi, assim na
Paz como na Guerra. Introdução, notas e comentários de José da Felicidade
Alves. Lisboa, Livros Horizonte. Publicação anunciada para fins de 1985.
4. Outros escritos de
Francisco de Holanda
I – Carta a Michelangelo. Datada
de 15 de Agosto de 1553, encontra-se na Casa Buonarroti, em Florença. Publicada
em:
1. Aurélio Gotti, Vita di
Michelangelo, vol. I, Firenze, 1875, pág. 246-247.
2. Archeologia artística, fasc. IV,
Porto, 1877, pág. 165-166.
3. Da Pintura Antigua, ed. de
Joaquim de Vasconcelos, 1918, pág. 237.
4. Jorge Segurado, Francisco
d'Ollanda, cit., (fac-simile, a pág. 17-19).
5. A.
M. Bessone Aurelii, I dialogbi michelangioleschi. Roma, 1939.
6. Paola Barocchi, Il Carteggio
de Michelangelo, vol. VI, Firenze, 1983.
II – Carta ao Prior do Crato, D.
António. 6 de Maio de 1579. No Arquivo da Casa do Duque de Alba, em Madrid.
Publicada em
1. Homenage a Menendez
Pelayo, Madrid, 1935.
2. Jorge Segurado, l. c.
(fac-simile a pp. 461-463).
III – Carta a Filipe II. Sem
data. Segundo Joaquim de Vasconcelos, é de 22 de Janeiro de 1572. O original
está no Arquivo Real de Simancas, E. 390. Publicada em:
1. Joaquim de Vasconcelos, Da
Pintura Antigua, 1908, p. 339-340.
2. Jorge Segurado, l. c.
(fac-simile, a pp. 257).
Poderão acrescentar-se a estes
escritos também as anotações manuscritas autógrafas, acerca de seu pai António
de Holanda, num exemplar de Giorgio Vasari, Le Vitte . (Florença,
1568), secção de Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa.
5. Os Desenhos das
Antigualhas
Francisco de Holanda reuniu os
desenhos que fez no tempo da sua permanência na Itália num volume a que antepôs
o título:
Reinando em Portugal El Rei Dom João
III que Deus tem, Francisco d'Ollanda passou a Itália e das Antigualhas que vio
retratou da sua mão todos os desenhos deste livro.
É um volume de 54 folhas, no formato
de 46,5 x 35,5 cm., incluindo 113 desenhos. Os mais antigos datarão de 1538 e
até 1564 poderá o Holanda ter introduzido quaisquer retoques, se o livro ainda
se encontrava na sua mão, de modo a ser dele a apostilha ao retrato de Miguel
Ângelo em que regista a data da sua morte. À data da redacção final do A
Sciência do Desenbo, isto é, em 1571, o álbum encontrava-se nas mãos do
Infante D. António, devendo ter sido confiscado pelo rei D. Filipe II de
Espanha, após o estabelecimento do seu domínio em Portugal.
Este códice está actualmente na
Biblioteca do Escorial em Espanha. Foi publicado em 1940, pelo Doutor Elias
Tormo, com o título seguinte:
Os desenhos das Antigualhas que vio
Francisco d'Ollanda, pintor português (1539-1540) publicalos com notas de estudio
y preliminares el Prof. E. Tormo, de la Universidade de Madrid. Madrid,
Academia de História e Belas Artes, 1940.
Anteriormente foram reproduzidos na
obra, de distribuição limitada e acima referida:
Opere di Francisco de Holanda, Napoli, Perrela, 1915. A cura di
Achile Pellizzari.
6. De Aetatibus Mundi
Imagines
Depois do regresso a Portugal, além
de outras actividades que é difícil documentar, Francisco de Holanda continuou
a desenhar. Até há pouco tempo pensou-se que os álbuns com estes desenhos
conhecidos por designações como Louvores Eternos, dada como concluída em
1569, ou De Cristo Homem, terminado em 1583, ou ainda Idades do Homem
se haveriam perdido.
Em 1953 o Dr. Francisco Cordeiro
Blanco descobriu na Biblioteca Nacional de Madrid um álbum de desenhos,
intitulado De Aetatibus Mundi Imagines que identificou como obra de
Francisco de Holanda (Biblioteca Nacional de Madrid, Secção de Belas Artes, cota
14/26).
É um grande códice com 89 folhas
(178 páginas), no formato aproximado de 0,42x0,28 cm., contendo 155 desenhos
(incluída a cobertura), alguns aguarelados a cor. Quinze destes desenhos foram
datados entre Agosto de 1545 e a Sexta-feira Santa de 1573.
Em 1961, na obra dedicada ao Holanda
e já citada, o arquitecto Jorge Segurado escrevia: «este códice vai ser
publicado em fac-simile, com as notas e estudo do Dr. Cordeiro Blanco já
falecido, sob a direcção do Dr. Armando Vieira dos Santos, por encargo do
Instituto de Alta Cultura». Infelizmente o Dr. Armando Vieira dos Santos cedo
deixaria o rol dos vivos.
Finalmente os desenhos foram
publicados, em luxuosa edição, em 1983, sob a direcção do arquitecto Jorge
Segurado, pelo Comissariado Organizador da XVII Esposição Europeia de Arte e
Ciência e Cultura, sob os auspícios do Conselho da Europa:
Francisco de Holanda, De
Aetatibus Mundi Imagines. Livro das Idades. Lisboa, 1983. Ed. fac-similada
com introdução e notas de Jorge Segurado.
IV – FORTUNA CRÍTICA
A obra de Francisco de Holanda não
chegou a ser impressa no seu tempo, e isso por força dos acontecimentos que
rodearam a parte final da sua vida, designadamente da morte de D. João III, de
quem o nosso autor foi conselheiro artístico, e da crise política que se lhe
seguiu, com o interregno e o governo de um rei imaturo, a qual culminará no
desastre de Alcácer Quibir e na anexação de Portugal à coroa de Espanha.
O extravio do manuscrito original do
Da Pintura Antigua não permite confirmar a intenção de estampar esta
obra, mas tal intenção deduz-se do facto de que foi pensada e preparada a
publicação de um trabalho de menor fôlego, qual é o tratado Da Fábrica que
Falece ha Cidade de Lisboa, que em ordem à sua divulgação recebeu em 13
de Abril de 1576 o parecer favorável (com a ressalva de três pequenas emendas)
de Frei Bartolomeu Ferreira, já benévolo censor da 1.ª edição de Os
Lusíadas. Para além do nihil obstat doutrinal, o censor avança que
tem a dita obra «por muito proveitosa e engenhosa».
Se bem que não chegasse a ser
impressa, a obra literária do Holanda foi objecto de alguma divulgação. Manuel
Denis, português desde a infância educado e residente em Castela, possuía uma
cópia da obra e terminara já a sua tradução em 1563, um ano antes da morte de
Miguel Ângelo, quando estava para começar a construção do Escorial.
A anexação a Espanha e a consequente
polarização cultural de Madrid acentuaram a crise da arte portuguesa e com o
andar do tempo outras obras de teoria artística vindas da Itália e divulgados
em Espanha tiraram actualidade à obra do Holanda, fazendo correr sobre ela o
véu do esquecimento.
A obra do Holanda estava esquecida,
mas não era totalmente ignorada. Diogo Barbosa Machado refere-a em 1747 no Biblioteca
Lusitana, numa época de renovação cultural que preanuncia já o século
XVIII, e a que não são indiferentes os estímulos de um renovado contacto com a
Itália.
A Academia Real das Sciências de
Lisboa assumirá o grato papel de principal impulsionadora da cultura
portuguesa, bem documentado nos estudos registados nas «Memórias» que fez
publicar. É para a Academia Real das Sciências que Joaquim José Ferreira Gordo
realiza investigações nos Arquivos de Madrid e copia as obras do Holanda de que
se não conheciam manuscritos em Portugal (o tratado Da Pintura Antigua,
incluindo os Diálogos), que em 1790 deposita na biblioteca da
referida instituição académica. Nas oficinas gráficas da mesma Academia
publica os Apontamentos para a História Civil e Litteraria de
Portugal e seus Domínios, collegidos dos Manuscritos assim nacionais,
como estrangeiros que existem na Biblioteca Real de Madrid, na do Escurial, e
nas de alguns senhores e letrados da Corte de Madrid, inseridos no tomo
III, das «Memórias de Literatura Portuguesa publicados pela Academia Real das
Sciências de Lisboa» em 1792 (61), onde o nome de Francisco de Holanda
reaparece diante dos leitores portugueses. Não chegou porém a ser publicado o
manuscrito, guardado na biblioteca da mesma academia, Memórias de Francisco
de Ollanda, colligidas de seus escritos e outros autores, em que
pela primeira vez se tenta urna meritória reconstituição da sua vida, com erros
porém – como a deslocação por duas vezes à Itália e a colocação da sua obra
neste país entre 1538 e 1548 – que serão repetidos por outros autores durante
um século e meio.
A partir daí Francisco de Holanda
passa a merecer o estudo dos autores portugueses. Primeiramente sob o aspecto
biográfico, procurando reunir aos elementos autobiográficos os raros dados
sobre a sua vida que é possível recolher nos arquivos. Situam-se nesta linha a Colecção
de Memórias Relativas às vidas dos Pintores, Escritores, Arquitectos e
Gravadores Portugueses, de Cirilo Wolkmar Machado, assim como as
páginas que lhe dedica o Bispo Conde D. Francisco (Cardeal Saraiva) na Lista
de Alguns Artistas Portugueses, e A. de Castro e Sousa, na Vida de
Francisco de Ollanda, iluminador e arquitecto português, que
floresceu no décimo sexto século, ou no Resumo histórico da vida de
Francisco de Holanda, e as referências mais extensas do Dictionaire
histórico-artistique du Portugal, de A. Raczinsky.
O autor referido em último lugar
publicara no ano anterior (1846; cf. supra) a primeira tradução, que, embora
lacunar e nem sempre fiel, foi também a primeira divulgação impressa de uma
obra de Francisco de Holanda, os Diálogos, contribuindo assim para
chamar a atenção dos estudiosos de todo o mundo para o escrito do autor
português. A partir daí a obra do Holanda passava a constituir referência
necessária para quantos se ocupavam da história da arte e da historiografia
artística do séc. XVI e designadamente para os que se ocupavam de Miguel
Ângelo.
Segue-se a esta divulgação a
primeira atitude pública de reserva em relação ao valor da obra do Holanda (e
pensa-se apenas nos Diálogos) para conhecer o pensamento artístico de
Miguel Ângelo, no trabalho de Alfred von Reumont, em kunst unkünstler in
Rom. Zur Zeit Papst Pauls III. Se bem que anotando as fanfarronices
despropositadas de uma ou outra passagem, o valor histórico dos Diálogos viria
a ser aceite pela maioria dos estudiosos e biógrafos de Miguel Ângelo, desde
Aurélio Gotti.
M. Menendez e Pelayo, na célebre História
de Ias ideias estéticas en España, deu grande relevo à obra de Francisco de
Holanda, transcrevendo longas passagens dos Diálogos e o mesmo faria no
Discurso de recepção na Academia de Belas Artes de Madrid. Idêntica ou maior
atenção mereceram os Diálogos a Karl Justi, em Die alportugiessche
Malerschule, e depois em Michel Angelo.
Joaquim de Vasconcelos iniciara em
1890 a primeira publicação em língua portuguesa das obras literárias de Francisco
de Holanda (cf. supra), e, na impossibilidade de então os publicar, faria
também conhecer uma lista descritiva dos desenhos designados como Antiguidades
de Itália. Embora mantendo-se numa posição crítica, perfilha o valor
histórico da obra holandiana, sendo o primeiro a sublinhar a impossibilidade
de o Holanda se ter deslocado duas vezes à Itália, se bem que mantendo as datas
de 1538 a 1548 como as da sua permanência na terra de Miguel Ângelo. Faz
interessantes anotações à obra publicado e só é pena que não tenha dado à luz
todos os estudos que, segundo diz, realizou sobre a obra de Francisco de
Holanda.
Em Itália, Achile Pellizzari
entusiasma-se com a obra do português e resolve-se a publicá-la, com um amplo
estudo introdutório, e a preparar uma edição dos desenhos das Antigualhas.
Apenas se conhecem, porém, três exemplares do volume Opere di Francisco de
Holanda, datado de Nápoles (Perrela) 1915, nas bibliotecas Vaticana e
Hertziana, de Roma, e na do Kunsthistorisch Institut, de Florença, contendo o
texto português e a versão italiana dos Diálogos, seguida da 1.ª parte
do Da Pintura, só em português, e dos desenhos Das Antigualhas. O
facto de na obra não se encontrarem as 304 notas correspondentes às
chamadas inseridas no texto nem a introdução referida na página 119 leva a
pensar que a edição não foi concluída, sendo os dois exemplares meras provas de
ensaio oferecidas, por gentileza, às mencionadas bibliotecas. Na obra I
trattati attorno le Arti Figurative in Itália e nella Penisola Ibérica que
se ficou no Volume Primo – Dall'antichità classica al séc. XIII,
A. Pellizzari escreve que Francisco de Holaida organizou «in sintesi
lucidissima le idec del suo grande amico florentino, tramandandole ai secoli da
venire in opere mirabili per magistero d'arte e per saldezza di pensiero».
Em Espanha, F. J. Sanchez Canton
inclui os textos do português entre as Fuentes literárias para la historia
del Arte Fspahol – sec. XVI.
Mas a historicidade de Francisco de
Holanda nem por isso passou a ser acatada pacificamente por todos os seus
leitores. Já em 1905, num trabalho publicado por Hans Tietze, e subordinado ao
título Francisco de Holland und Donato Giannoti's Dialoge und
Michelangelo aparecem renovadas com mais vigor as críticas negativas a
Francisco de Holanda. Mais violentas e radicais seriam as críticas tecidas por
Carlo Aru numa comunicação apresentada ao I Congresso Nazionale di Studi
Romani, publicado depois na revista L'arte de Adolfo Venturi e que,
apesar de tudo, Schlosser considera «uma cuidada análise da obra» de Francisco
de Holanda. Segundo Aru «i Dialoghi scritti con fini precisamente pratici se no
proprio esclusivamente personalistici, sono un mediocre componimento letterario
– modellato sul genere di prosa narrativa piú largamente diffuso in Italia
durante il Rinascimento – che ha una trama storicamente vera o verosimile nei
riguardi degli interlocutori e dei particolari di tempo e di luogo, ma che a
questa trama aggiunge idee che, se possono ritenersi comunemente divulgate
in taluni ambienti artistici romani di circa la metà del Cinquecento, debbono
considerarsi tuttavia in completo contrasto con lo spirito, le idee e 1'opera
di Michelangelo».
Para Carlo Aru os Diálogos não
correspondem historicamente a verdadeiros colóquios realizados com Miguel
Ângelo, mas são uma moda literária, em voga na época, a que o Holanda como
muitos autores terá recorrido para expor as suas próprias ideias. O mesmo autor
declara que as ideias expressas nos Diálogos pela boca de Miguel Ângelo
são fragmentárias e contraditórias (observação de Aru que não me parece
congruente com a afirmação anterior de que os Diálogos são uma forma
literária adoptada pelo português para expor as suas próprias ideias, mas seria
muito mais aceitável se admitíssemos que eles de facto são a recolha, ainda que
imperfeita, de uma verdadeira conversa, em que o fio seguido não é sempre o da
lógica total), mas, apesar de tudo e de um modo que pode bem considerar-se arbitrário,
ousa reuni-las em nove pontos que são urra verdadeira traição às ideias
expostas pelos interlocutores dos diálogos.
Efectivamente, conforme são reunidas
por C. Aru, as ideias expostas nos diálogos são fragmentárias e contraditórias.
Revelam uma leitura apressada e desatenta dos Diálogos, para não
falarmos já no desconhecimento dos outros escritos do Holanda, bem oportuna
para e elaboração de uma crítica segura, e mesmo uma certa falta de rigor
histórico na maneira como se comparam com outros escritos da época,
apresentando as ideias do Holanda como hauridas em outras obras de então e
citando para o caso exactamente aquelas que o português não conhecia, como os
escritos de Leonardo. Fragmentária e contraditória mas sobretudo contraditória
é a argumentação aduzida por Carlos Aru para negar a validade aos Diálogos. Da
análise de Aru emerge uma dupla contradição: por um lado, as ideias expostas
nos Diálogos não podem corresponder às ideias de Miguel Ângelo porque são fruto
da elaboração pessoal do Holanda, mas correspondem aquelas que na mesma época
circulavam na Itália; por outro lado, as ideias estéticas de Miguel Ângelo não
são outras que as dos homens da sua época.
Uma outra estudiosa italiana,
Antonieta Maria Bessone Aurelii, autora de uma tradução italiana do Diálogos,
que teve quatro edições, não achou dificuldades em refutar as afirmações de
Carlos Aru. Mais tarde Bianca Toscano voltaria ao assunto combatendo os
argumentos de C. Aru e defendendo com entusiasmo a historicidade dos Diálogos.
Não se vão agora analisar as
objecções contra o valor histórico da obra em causa, nem a resposta que lhe
deram as duas estudiosas. Analisar-se-ão esses aspectos ao fazer o estudo
crítico da obra de Francisco de Holanda, que, infelizmente, só recentemente
começou a delinear-se e que exige o estudo global da obra do português.
As objecções postas por Aru ao
Holanda, pelas respostas que tiveram e já se referiram ou porque na época não
pareceram dignas de melhor atenção, não impediram que os autores continuassem a
apoiar-se no Holanda como uma importante fonte para documentar a evolução das
ideias estéticas e o pensamento de Miguel Ângelo.
O próprio Lionello Venturi, cujas
omissões Aru invocou (Venturi antes só referira o testemunho do Holanda a
propósito do juízo de Miguel Ângelo sobre a pintura fiamenga) na Storia dela
Critica d'Arte, em 1936, escrevia genericamente: «Michelangelo Buonarroti
non ha scritto un trattato d'arte, ha espresso sporadicatnente alcune idee
sull'arte; il portoghese Francisco de Holanda altre ne ha raccolte da lui».
Anthony Blunt, em Artistie Theory
in Italy 1450-1600, dizia em 1940: «Além dos escritos (de Miguel
Ângelo) restam--nos os testemunhos dos seus contemporâneos. O primeiro de entre
estes é o pintor português Francisco de Holanda, que chegou a Roma em 1538 e
por certo período fez parte do círculo de Miguel Ângelo com o mestre».
A publicação de Os Desenhos das
Antigualhas levada a cabo pelo Professor Dr. Elias Tormo, em 1940, fez
redobrar o interesse pela obra do português. Depois dessa data publicaram-se na
Itália duas novas traduções dos Diálogos (Emílio Radius e L. Marchiori
– E. Spina Barelli), além de uma reedição da tradução anterior de A. M. B.
Aurelii e de duas edições parciais. Em Portugal apareceu mais uma edição dos Diálogos,
a de Manuel Mendes. Nestas publicações considera-se resolvido no sentido
positivo o problema da historicidade da obra de Francisco de Holanda. Na
sequência do interesse que esta desperta, fazem-se os primeiros estudos sobre a
estética de Francisco de Holanda, com Mariana Amélia Machado Santos e Rézio
Buscaroli, a primeira numa comunicação apresentada ao I Congresso do Mundo
Português e o segundo no estudo sobre Il concetto dell'arte nelle
parole di Michelangelo. Nos Diálogos (como nas poesias e outros
escritos de Miguel Ângelo) se apoiam os seus mais recentes biógrafos e
estudiosos, como Robert J. Clements em Michelangelo's Theory of Art ou
Charles de Tolnay em The Art an Thought of Michelangelo e em outros
escritos. John Bury, depois de um primeiro trabalho sobre a obra geral do
autor Da Pintura Antigua, estuda o seu contributo para a história da
fortificação militar, em Francisco de Holanda – A little Known source
for the history of fortification in the sixteenth century. Dois anos depois
voltará ao problema da autenticidade, em conjunto com o catálogo das suas
obras, em Two Notes on Francisco de Holanda. Em 1981, Rafael Moreira
retomou aquele tema em A Arquitectura Militar do Renascimento em
Portugal, estudo que evidentemente ultrapassa em muito os limites da obra
de Francisco de Holanda. Robert Klein dedicou ao português o seu ensaio Francisco
de Holanda e les secrets de l'art.
A identificação do novo álbum de
desenhos, desta vez criação inteiramente original de Francisco de Holanda, o De
Aetatibus Mundi Imagines, anunciada em 1955 por Francisco Cordeiro Blanco,
cuja publicação foi prometida em trabalhos sucessivos, não só fez aumentar o
fervor dos estudiosos em relação às obras já conhecidas, como levou também a
investigar da existência de outras obras de arte do mesmo artista, quer no
domínio da pintura, quer no da arquitectura. Jorge Segurado, que se seguiu a
Joaquim de Vasconcelos como um dos mais apaixonados estudiosos portugueses da
obra do nosso autor quinhentista, entre cujos trabalhos avulta o volume que
leva o nome de Francisco de D'Ollanda, onde, além do mais, se
publicam os fac-símiles do Da Fábrica que falece ha cidade de Lisboa e
do anexo De quanto serve a Sciência do Desenbo e Entendimento da Arte
da Pintura, cuida a publicação, em 1983, do De Aetatibus Mundi
Imagines. Se das dúvidas de novo levantadas à sua historicidade pelo
encarregado dos assuntos culturais da embaixada italiana em Lisboa, Riccardo
Averini, alguma conclusão é de tirar, é a da necessidade de submeter a uma
rigorosa análise crítica a obra de Francisco de Holanda.
Felizmente esse estudo já se inicia.
Assim, a par de uma obra de divulgação, de vantajosa difusão entre o público,
qual é Francisco de Holanda Vida, Pensamento e Obra, de José
Stichini Vilela, uma estudiosa francesa, Sylvie Deswarte, que já antes dedicara
alguma atenção ao português, começou a publicar alguns estudos críticos
dedicados a Francisco de Holanda.
O caminho a seguir no estudo da obra
de Francisco de Holanda deve arrancar da publicação de uma edição crítica de
todos os seus escritos e desenhos e de um trabalho em que a mesma seja
enquadrada convenientemente no seu tempo, de modo a poder ser devidamente
compreendida no seu valor histórico, quer como testemunho da sua época, quer
como contributo original nos domínios da historiografia da arte.
NOTA FINAL
Esta «introdução», redigida em 1983,
encontrava-se já na tipografia quando nas livrarias apareceram novas edições
dos textos de Francisco de Holanda, cuja menção, por altura da revisão de
provas, se incluiu ainda no lugar próprio. Anota-se com agrado o contributo que
estas novas edições vêm dar para a divulgação dos escritos holandianos.
Continua, porém, a sentir-se a falta
de uma edição diplomática, pelo menos dos tratados de que chegaram até nós os
manuscritos quinhentistas, acompanhada de adequado aparelho crítico, uma vez
que pouco mais se tem feito que reimprimir os textos dados à estampa por
Joaquim de Vasconcelos, e ignoram-se estudos importantes dedicados ao interlocutor
de Miguel Ângelo, assim como se desconhecem várias edições das suas obras
publicados no estrangeiro. Por esse motivo, acima ficaram registadas as edições
conhecidas, em português e noutras línguas, dos escritos de Francisco de
Holanda, e, a concluir, ajunta-se um elenco da bibliografia que expressamente
trata dessa obra e do seu autor.
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O presente trabalho foi elaborado no âmbito dos estudos de crítica e história da arte desenvolvidos na Itália, em 1983, sob a orientação do Doutor Carlo Ludovico Ragghianti. A redacção inicial – Introduzione allo Studio di Francisco de Holanda – foi feita directamente na língua italiana. A versão em língua portuguesa foi publicada com o título “Francisco de Holanda - Introdução ao Estudo da sua Obra”, em Revista de Guimarães 94 (1984) [44 páginas] e em separata.